Capítulo 4: A Guilda do Falcão Negro
O sol da manhã, pálido e hesitante, mal conseguia romper a névoa que pairava sobre Ébano. Kael e Lua deixaram para trás a atmosfera opressiva da cidade, seguindo em direção à Guilda do Falcão Negro, um imponente edifício de pedra cinzenta situado na parte mais alta da cidade. Não era apenas um prédio; era uma fortaleza, um símbolo de resistência contra as forças da escuridão que ameaçavam a região. Suas muralhas, altas e imponentes, eram reforçadas por grossas vigas de madeira escura, quase negras, e protegidas por grades de ferro forjado, ostentando o símbolo da guilda: um falcão negro de asas abertas, cravado em ferro, sobre um escudo de pedra. A imponência do local contrastava fortemente com a decadência visível nas ruas da cidade, transmitindo uma sensação de segurança e ordem em meio ao caos.
Ao se aproximarem, Kael notou detalhes que antes haviam passado despercebidos. As janelas estreitas e altas, estrategicamente posicionadas, permitiam uma visão ampla da cidade, servindo como pontos de observação para os guardas da guilda. A entrada principal, uma porta de madeira maciça com batentes de ferro reforçados, era ladeada por duas estátuas de pedra representando falcões negros, seus olhos de obsidiana parecendo observar cada visitante com atenção. O ar ao redor da guilda emanava uma aura de segurança e poder, contrastando com o medo e o desespero que dominavam a cidade. Era como se uma bolha de proteção tivesse sido erguida contra a escuridão crescente.
Ao entrarem, foram recebidos não apenas por um mar de rostos, mas por uma complexa teia de atividades. O grande salão central era um espaço amplo e alto, com tetos abobadados que permitiam a entrada de luz natural, embora a atmosfera permanecesse um tanto sombria, adequada ao tema da guilda. Mesas de madeira maciça, desgastadas pelo tempo e pelo uso, estavam espalhadas pelo salão, servindo como pontos de encontro para os aventureiros. Em um canto, um bar movimentado oferecia bebidas e comida aos membros da guilda, enquanto em outro, um grupo de ferreiros trabalhava incansavelmente, consertando armaduras e afiando espadas. O ar estava carregado com o cheiro de couro velho, metal polido, madeira envernizada, cerveja e um leve aroma de especiarias, uma mistura peculiar que representava a própria essência da guilda: uma mistura de perigo, aventura e camaradagem.
O barulho era ensurdecedor: conversas animadas em diversas línguas, risos, o tilintar de taças, o ranger de armaduras e o som metálico de martelos batendo sobre o metal misturavam-se em um concerto caótico, mas familiar para Kael. Ele reconheceu os tipos: aventureiros experientes, ostentando cicatrizes e condecorações; novatos ansiosos, com equipamentos reluzentes e expressões nervosas; e funcionários ocupados, correndo de um lado para o outro, atendendo às diversas necessidades da guilda. Havia também um mural enorme, coberto de avisos e ofertas de trabalho, com missões de todos os tipos, desde a caça de bestas perigosas até a recuperação de artefatos perdidos. Era um microcosmo do mundo, com seus perigos e suas oportunidades. Kael se sentia mais confiante aqui, cercado por pessoas que compartilhavam seu espírito aventureiro, sua sede de justiça e sua disposição para enfrentar o perigo.
Kael se dirigiu à recepcionista, uma mulher robusta com um olhar penetrante que transmitia experiência e autoridade. Seu uniforme, composto por uma armadura de couro marrom-escuro e uma túnica verde-oliva, indicava sua posição na hierarquia da guilda. Ela tinha um olhar atento, capaz de discernir a verdade por trás das palavras, e uma postura firme que demonstrava sua capacidade de lidar com diversas situações. Ele explicou sua situação, detalhando os massacres nas vilas e a marca de Aethea, buscando informações sobre a entidade e seus seguidores. A recepcionista, sem demonstrar surpresa – afinal, ela já havia visto de tudo na Guilda do Falcão Negro –, ouviu atentamente, seus dedos ágeis anotando informações em um livro de registros antigo e rachado, cujas páginas amareladas pareciam guardar segredos de séculos.
Após alguns minutos de consulta, a recepcionista indicou um corredor estreito e mal iluminado, dizendo que o Mestre da Guilda, um homem conhecido por sua sabedoria e suas extensas redes de contatos, poderia ajudá-lo. Kael e Lua seguiram pelo corredor, os passos ecoando no silêncio, até chegarem a uma sala maior e mais bem iluminada.
O Mestre da Guilda, um homem de meia-idade com cabelos grisalhos e olhos penetrantes, estava sentado atrás de uma mesa imponente, rodeado por mapas e pergaminhos antigos. Ele tinha a postura de um líder experiente, confiante e imponente, mas seu olhar revelava uma inteligência perspicaz e uma profunda preocupação. Kael relatou novamente sua história, detalhando cada aspecto da tragédia, incluindo a profecia do curandeiro e a descrição da magia de sangue de Aethea.
O Mestre da Guilda ouviu com atenção, sem interromper. Ao final da narrativa de Kael, ele permaneceu em silêncio por um longo momento, seus olhos fixos em Kael, como se estivesse avaliando a veracidade de suas palavras. Finalmente, ele falou com uma voz grave e calma: "A Marca de Aethea... uma lenda sombria que se tornou realidade. Temos recebido relatos semelhantes de outras regiões, mas as informações são esparsas e contraditórias. A ameaça é real, e muito maior do que imaginávamos."
Ele explicou que a Guilda do Falcão Negro havia reunido algumas informações sobre Aethea, mas que a maioria era baseada em lendas e rumores. A entidade era descrita como uma antiga força das sombras, capaz de manipular a magia de sangue para seus próprios fins malévolos. Seus seguidores eram cultuadores da escuridão, indivíduos poderosos e perigosos, treinados em artes proibidas. O Mestre da Guilda confirmou a existência do Abismo Negro e da Floresta Demoníaca, descrevendo-os como lugares extremamente perigosos, repletos de criaturas sobrenaturais e armadilhas mortais.
Enquanto o Mestre da Guilda falava, uma figura familiar se aproximou, interrompendo o fluxo grave da conversa. Era Layra, uma aventureira que Kael conhecia de missões anteriores, uma mulher cuja presença era tão marcante quanto sua habilidade com a espada. Seus cabelos castanhos, presos em um rabo-de-cavalo prático e ligeiramente desgrenhado, emolduravam um rosto fino e bronzeado pelo sol, marcado por uma leve cicatriz que ia do canto da sobrancelha até a têmpora – uma lembrança de algum confronto passado. Olhos azuis, penetrantes e inteligentes, brilhavam com uma mistura de preocupação e surpresa ao reconhecer Kael, contrastando com a pele levemente queimada pelo sol. Sua expressão era séria, mas um sorriso sutil, quase imperceptível, se formou em seus lábios ao se aproximar, revelando um leve toque de sardas espalhadas pelo nariz e bochechas.
A armadura de couro que usava, embora levemente suja de terra e poeira da estrada, estava impecavelmente bem cuidada, ajustada ao seu corpo esguio e ágil. O couro, de um tom marrom-escuro quase negro, parecia quase se fundir com sua pele bronzeada, destacando a sua força e agilidade. Sobre a armadura, uma túnica verde-oliva, desgastada mas resistente, protegia seus ombros e braços. Em seu cinto, bem organizado, repousavam suas armas: uma adaga de aço reluzente, presa em uma bainha de couro trabalhado, e uma espada longa, de lâmina fina e afiada, cuja empunhadura era adornada com detalhes em prata. Cada peça de seu equipamento, desde a armadura até as armas, evidenciava a sua experiência e o cuidado que ela dedicava à sua profissão.
Layra se aproximou com passos firmes e silenciosos, sua postura ereta e confiante, transmitindo uma aura de força e determinação. Ela parou a alguns passos de Kael, esperando que o Mestre da Guilda concluísse sua frase. Quando o silêncio se instalou, ela falou, sua voz suave, mas firme, cortando o peso da situação:
"Kael? É você mesmo? Ouvi falar dos massacres... Eu não podia acreditar. Oakhaven... destruída..." Sua voz estava carregada de emoção, um misto de choque, tristeza e admiração. Ela não precisou dizer mais nada; a expressão em seu rosto, agora mais visível sob a luz do salão da guilda, falava por si só. A notícia, aparentemente, havia atingido Layra com força.
Layra, após ouvir a história completa de Kael, ofereceu sua ajuda. Ela tinha experiência em combater criaturas sobrenaturais e conhecia bem a Floresta Demoníaca. Ela também tinha contatos com outros aventureiros, que poderiam se juntar a eles em sua jornada para o Abismo Negro. Layra sugeriu que eles buscassem informações adicionais em bibliotecas antigas e em locais secretos, onde poderiam encontrar conhecimento sobre a magia de Aethea e sobre as diferentes formas de magia que poderiam ser usadas contra ela.
A conversa com o Mestre da Guilda e Layra deixou Kael com uma sensação renovada de esperança. Ele não estava sozinho. A Guilda do Falcão Negro, com seus recursos e sua rede de contatos, poderia ajudá-lo a reunir os aliados e as informações necessárias para enfrentar Aethea. Layra, com sua experiência e sua coragem, seria uma aliada inestimável. A jornada para o Abismo Negro seria longa e perigosa, mas Kael estava mais confiante agora, sabendo que não enfrentaria a escuridão sozinho. A luta contra Aethea e seus seguidores seria árdua, mas a esperança, fortalecida pela aliança recém-formada, brilhava mais forte do que nunca. A saga de Kael estava longe de terminar, e o próximo capítulo prometia ser ainda mais desafiador e emocionante. A sombra de Aethea ainda pairava, mas agora, Kael tinha aliados, um plano e a determinação necessária para enfrentá-la.
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